Tema

Se analisarmos o mundo armados de mente aberta e olhar crítico e se fizermos algumas pesquisas é fácil apercebermo-nos que há muita "coisa" curiosa, difícil de explicar no actual paradigma da ciência.
Investigamos áreas díspares, desde a história antiga à física moderna, passando pela psiquiatria e filosofia.
Comecemos pela percepção. Será que vemos aquilo que esperamos ver? Como fazem os animais para prever catástrofes de modo a protegerem-se? Será que percepcionam algo para além dos nossos sentidos? Ou será que os nossos sentidos também o percepcionam mas nós não tomamos consciência por não estarmos preparados para tal? Os nossos sentidos fazem chegar ao cérebro o estrondoso número de 400 mil milhões de bits por segundo, mas apenas 2 mil chegam ao nosso consciente. O que acontece a tudo o resto? O nosso cérebro trabalha continuamente a tentar criar uma história do mundo para nós, livrando-se de imensa informação "supérflua". Esta selecção baseia-se nas nossas vivências, memórias e emoções. Sim, no fundo vemos aquilo que esperamos ver.
Religião. Fenómeno profundamente controverso. Estará a ciência em conflito com a religião? Ambas são duas abordagens à verdade, são as duas faces da mesma moeda. Se a ciência e o espírito investigam a natureza da realidade ilimitada – e obviamente quanto mais ilimitada é, mais perto da realidade – irão certamente cruzar os seus caminhos. Terá a religião de reformular todos os seus princípios de modo a acompanhar o estrondoso avanço da ciência? Sobreviverá a religião a esta reforma?
Cérebro. Pura biologia e química? É engraçado pensar o quanto o Homem investe na ciência, na tecnologia e o pouco que investe no seu próprio estudo, no estudo da mente humana. O estudo do cérebro é uma área enormemente fascinante, muito divertida de explorar. Se calhar quando compreendermos quase na plenitude o funcionamento do nosso cérebro talvez possamos aplicar esse conhecimento à construção de computadores capazes de fazerem escolhas autonomamente, dotados de sentimentos e emoções, capazes de sonhar e ter uma conversa normal, talvez um dia.
E até onde vai a Teoria Quântica? O que a teoria quântica revelou é tão intrigante que soa mais a ficção científica: as partículas podem estar em dois ou mais sítios ao mesmo tempo. O mesmo “objecto” pode ser uma partícula, localizável num local, ou uma onda, distribuída pelo espaço e pelo tempo.
Einstein disse que nada pode viajar mais depressa do que a velocidade da luz, mas a física quântica demonstrou que partículas subatómicas parecem comunicar instantaneamente sobre qualquer extensão de espaço.
Medicinas alternativas estão "na moda" e algumas já deram provas por milénios, falam-nos em "energias". Surgem histórias de paranormal mesmo vindas da comunidade científica, e muitas delas referem-se também a "energias". Pela teoria quântica apercebemo-nos que quanto mais de perto analisamos a matéria menos material se torna o mundo, no fundo passa a ser constituído por pacotes de energia e informação.
Há metafísica bastante em não pensar em nada, escreveu Caeiro. Nós estamos dispostos a pensar. Estes temas sempre nos despertaram a atenção porém nunca foram explorados no nosso percurso escolar, ou se o foram, não ficámos satisfeitos. Achamos que são importantes na nossa formação pessoal e cívica bem como da população em geral.
Não é difícil fazer grandes questões, mas quando tentamos responder a alguma surgem-nos muitas mais. Talvez encontremos um fio condutor que nos ilumine.
Temos aprendido a não confiar muito no que nos dizem, afinal aquilo que é tomado como verdadeiro muda drasticamente em questão de décadas. Também não descuro nenhuma peça do puzzle pelo simples facto de não encaixar nas que já estão montadas. Gostamos de consultar o nosso eu elevado quanto à validade das observações.

terça-feira, 31 de março de 2009

Consciência

O que é uma definição simples de consciência? Sabe, é a coisa mais difícil de definir.
— Fred Alan Wolf

Nenhum de nós pode escapar sem responder de alguma forma: eu crio realidade, ou sou uma folha ao vento? Sou a fonte que determina as coisas da minha vida, ou a minha vida está no final de uma corrente, determinada num único instante durante o Big Bang?
Nick Herbert fez o doutoramento em física experimental na Universidade de Oxford. Durante anos foi o cientista principal na Memorex Corporation em Silicon Valley, e trabalhou em magnética, electrostática, física termal e óptica. Escreveu Quantum Reality: Beyond the Pbysics, e deu aulas de ciências a todos os níveis (desde a primária à faculdade).
Criou a mais concisa prova matemática do Teorema de Bell (que prova a existência da não-localidade). Neste momento está interessado na consciência: “A minha noção é que a consciência é o maior problema”, diz ele, e que a física se descartou dos problemas fáceis... Podemos encontrar todas as forças e todas as partículas da natureza – a demanda dos físicos – mas e depois? Então teremos mesmo de lidar com os problemas mais difíceis – a natureza da mente, a natureza de Deus e outros problemas maiores que ainda nem sabemos problematizar.”

Por que estamos nós aqui? Bem, essa é a questão principal, não é? Por nós entendo que se esteja a falar de seres conscientes, ou seja, nós.
— Stuart Hameroff, M.D.

A consciência é fundamental a tudo o que fazemos, qualquer sensação, experiência, pensamento, acção e interacção joga com a consciência. Contudo a ciência tem-na examinado com muito pouco profundidade. Nos seus quase 400 anos de vida, “a ciência fez imensos progressos na compreensão do universo físico a todas as escalas, desde o quark ao quasar”, diz Herbert. Mas a consciência continua a ser “um buraco negro intelectual”.
Todo o discurso, acção e comportamento são flutuações da consciência. Toda a vida emerge da, e é sustentada pela, consciência. O universo inteiro é a expressão da consciência. A realidade do universo é um oceano infinito de movimento (Maharichi Mahesh Yogi).
Muitos cientistas, na física como na psicologia, que ainda estão imersos no paradigma materíalista/newtoniano, dispensam a consciência como um produto do funcionamento do cérebro. (A palavra que usam com mais frequência é epifenómeno, que significa basicamente efeito secundário ou subproduto). Basicamente isto significa que “eu” sentir alguém é um acidente “oops” da evolução. E que quando o cérebro morre, o “oops” desaparece e o pacote vai ter com o resto do embrulho ao lixo. A consciência não cabe no paradigma newtoniano. Não é feita de matéria mensurável. Não podemos pôr uma régua na consciência. É por isso vista por muitos cientistas como uma anomalia. “Quando aparecem pela primeira vez anomalias num paradigma”, repara o físico e filósofo Peter Russel, “são normalmente subestimadas ou rejeitadas”.

Um grande reflexo da nossa sociedade materialista é: quem são os heróis nas nossas escolas? As escolas significam educação, conhecimento, aprendizagem – vida mental. Os heróis são os atletas – vida física.

— Will

A pesquisa ao nosso cérebro ajudou a lançar luz sobre estados mais altos de consciência para além de estar acordado, sonhar e dormir. Existem sete estados de consciência. Para além dos três que normalmente sentimos, existe a consciência: pura. É o estado mais simples de consciência humana, um estado silencioso, profundamen¬te instalado, de consciência livre no qual a mente se identifica com e sente o campo unificado de todas as leis da natureza.
— John Hagelin, Ph.D.

Pesquisas sobre o electromagnetismo por pessoas como Faraday, culminando no trabalho de Maxwell no final do século XIX, começaram a fazer parecer que as partículas não eram o catálogo completo do universo.” O fenómeno do electromagnetismo não podia ser explicado segundo os termos dos princípios aceites da física; mas também não podia ser descartado. Assim, contra os ventos prevalecentes da ortodoxia, tornou-se necessário levar os campos em consideração. Tal como diz o Dr. Albert, “fala-se de campos pelo menos desde o início do século XIX, mas durante muito tempo não foram levados a sério.” Foram então aceites como aspectos intrínsecos e fundamentais do cosmo.
Talvez seja a altura de fazer o mesmo com a consciência, e o desafio pode ser semelhante. A consciência é um nível de realidade ainda mais subtil do que as forças ou os campos de forças. Mas se é um nível de realidade, e se a física pretende arranjar uma genuína “teoria de tudo”, a consciência tem de ser incluída.
Todos temos andado a agir, observa Ed Mitchell, dentro de um modelo científico que diz que tudo pode ser reduzido apenas a matéria ou a energia. Tudo é na realidade energia, sendo a matéria uma forma de energia. Ainda, segundo este modelo, a consciência como nós a sentimos é apenas epifenomenal. Ou seja, é um subproduto da actividade cerebral; não é fundamental.
“E no entanto todas as tradições religiosas do mundo disseram de uma forma ou de outra: 'Não, isso não é verdade. É a consciência em si que é fundamental, e a matéria-energia é o produto da consciência.' Este tem sido o assunto básico com qual lidamos há muito, muito tempo sem nunca o conseguirmos resolver com clareza de uma forma ou outra.”

terça-feira, 24 de março de 2009

A Alma está no Cérebro


Emoções, ideias, medos, desejos… e tantos outros aspectos da nossa vida que nos caracterizam como seres humanos derivam das complexíssimas operações do nosso cérebro. De seguida é apresentado um excerto do livro “A Alma está no Cérebro” do escritor espanhol Eduardo Punset que esclarecerá algumas das questões que habitualmente colocamos.

À primeira vista, parece bastante fácil distinguir o que é e onde está a alma. Para começar, alguns animais nem sequer se reconhecem a si mesmos em frente de um espelho. Outros, como os chimpanzés, tal como nós, reconhecem-se e têm consciência de si mesmos. Nós, os seres humanos, possuímos imaginação, emoções e memória: eram estas, segundo o pensamento antigo, as três faculdades da alma.
Mas... onde é que está a alma? Onde é que ela está albergada? Alguns filósofos e teólogos pensavam que a alma estava no coração, e outros, entre eles os primeiros grandes cientistas, opinavam que a alma residia no cérebro. De modo que, ao que parece, a alma fez-se carne.
No entanto, será que com esta simples identificação fica verdadeiramente resolvido o mistério da alma?
A nossa mente é aquilo que somos. Recordações, emoções e experiências acumulam-se no cérebro incrustando-se nas ligações electroquímicas estabelecidas entre os milhões de neurónios que ele contém. A alma ou a psique cabem no pouco mais de quilograma e meio de tecido cerebral, o mesmo que o filósofo Henry More descrevia como «essa desestruturada, gelatinosa e inútil substância». Quase todos os seus colegas pensavam como ele. O que não era invulgar.
Na Inglaterra de meados do século XVII, a alma era um princípio imortal e imaterial que pensa, que sente e que rege o corpo; o cérebro, pelo contrário, parecia uma glândula de aspecto desagradável e de irritante inutilidade. Nesse período da história, alguém inventou a palavra «neurologia». Thomas Willis (1621-1675), juntamente com um grupo de sábios, inaugurou uma nova era: a «era neurocêntrica», na qual nos encontramos hoje, onde o cérebro e a mente são dois conceitos inseparáveis.
Willis estudou ao pormenor a estrutura cerebral e propôs uma nova concepção da mente: para ele, pensamentos e emoções eram tempestades de átomos que ocorriam no cérebro. De alguma maneira, abriu o caminho teórico que haveria de conduzir, vários séculos depois, à descoberta dos neurotransmissores. Se Descartes estava equivocado, se não havia espírito e tudo era matéria, os males da alma seriam necessariamente físicos. Willis propôs então que as perturbações mentais, como a depressão, podiam ser curadas com substâncias químicas e preparados farmacêuticos capazes de restabelecer o equilíbrio do fluido nervoso. Hoje, os fármacos contra a ansiedade ou a depressão, a timidez ou a hiperactividade fazem já parte da nossa cultura.
Formalmente, as teorias de Willis seriam mais parecidas com a alquimia do que com a ciência moderna, porém, é inegável que ele deu os primeiros passos que conduziriam às concepções de «mente» e de «cérebro» que hoje possuímos. Willis inaugurou, há mais de três séculos, a nossa era: a era do cérebro.
Carl Zimmer é um divulgador científico bem conhecido; escreve regularmente nas páginas científicas do New York Times e está a começar a destacar-se como um dos melhores ensaístas no campo da história da neuroanatomia.
Para começar, os paleontólogos asseguram que a ideia da alma parece ser um conceito tardio em relação a outras ideias, como por exemplo a necessidade de fabricar ferramentas. No entanto, é incrível a persistência da ideia de alma, que desde o seu «descobrimento» nunca foi abandonada. De onde nasceu esta ideia? Zimmer assegura que a ideia de alma, ou de algo parecido à alma, surgiu provavelmente há muito tempo, talvez há um milhão de anos, ou há umas quantas centenas de milhares de anos. A ideia de alma evoluiu com o homem e submeteu-se às leis que correspondem aos nossos conceitos, uma ideia à qual aplicámos as nossas previsões e imaginações. «Podemos obter provas desta evolução realizando estudos psicológicos: temos tendência a encontrar uma causa nas coisas. Os nossos cérebros estão programados para perceber as intenções dos outros, mas podemos também identificar uma intencionalidade num círculo que se move num ecrã; se se desloca de um modo concreto, talvez digamos: "Repara, o círculo está a perseguir o quadrado." Assim, nós atribuímos alma inclusivamente às formas abstractas. Trata-se de um instinto muito nosso. Parece-me que é bastante provável que esse instinto, esse desejo de entender as pessoas, terá dado origem ao conceito de alma. E não se trata somente de um desejo de compreender as pessoas que nos rodeiam: na Idade Média julgava-se que até as árvores ou as rochas tinham alma.»
Segundo Carl Zimmer, na Natureza havia almas em toda a parte, porque, sempre que nos apercebemos de algo parecido a uma acção ou mudança, julgamos ver aí uma alma.
Para as culturas antigas, porém, a questão principal neste ponto era averiguar onde é que a alma estava situada. Em relação aos seres humanos, por exemplo, os sacerdotes extraíam o cérebro dos cadáveres quando preparavam a viagem para o além e, no entanto, deixavam intacto o coração porque pensavam que ele era o motor da vida e que, provavelmente, era ali que residia o espírito.
«Sim, no antigo Egipto julgavam que o coração era o centro da vida e, portanto, a alma residia no coração», explicava-nos Zimmer. «Aristóteles também pensava que o coração constituía o centro da vida. Muito pouca gente pensava no cérebro como agora fazemos, como o lugar onde estava situado o nosso sentido do eu, a nossa personalidade, as nossas recordações. O coração, como residência do espírito, foi durante séculos um conceito muito poderoso. Na Idade Média acreditava-se que cada pessoa tinha três almas: uma no fígado e outra no coração; a terceira era a alma racional, a alma do cristianismo, que não estava localizada em nenhum lugar concreto porque se tratava de uma alma imaterial. Assim, o coração continuou a ser considerado como um órgão central no que dizia respeito à alma, daí que existam imagens de Jesus abrindo o seu coração.»
As imagens de Jesus abrindo o seu coração estão relacionadas com essa ideia do homem mostrando-nos o seu verdadeiro eu. O mais recôndito de cada ser estava no coração. Zimmer usa o humor para explicar este conceito: «Jesus não abre o seu crânio e não nos mostra o seu cérebro. Nunca vi uma imagem desse tipo.» Neste aspecto, as ideias culturais são muito persistentes e ainda hoje mantemos frases feitas como «abrir o coração a alguém», «partir o coração», «com o coração nas mãos»; todas elas são uma herança dessa ideia antiga segundo a qual o mais profundo de um ser humano encontra-se, precisamente, no coração.
Até que finalmente, como assinalámos, apareceu Thomas Willis com a sua teoria revolucionária. Ele foi o primeiro a considerar que tudo estava no cérebro. E, de certo modo, referia-se ao facto de que a alma se transforma em carne no cérebro. «Acima de tudo, tratava-se de uma maneira totalmente nova de reflectir sobre a natureza humana», diz Carl Zimmer. «Willis afirmava que a memória, a capacidade de aprender e as emoções eram, na realidade, produto dos "átomos" do cérebro, da química. Ninguém tinha pensado isso antes. Claro está que hoje em dia todos pensamos assim, damo-lo por adquirido; mas quem chegou pela primeira vez a essa ideia foram, no século XVII, Thomas Willis e os seus colegas. Tratava-se de uma ideia revolucionária.»
Willis foi talvez o primeiro a afirmar que a alma é carne e que está no cérebro. Todavia, ele não foi perseguido pelas suas ideias, como ocorreu com outros. Houve grandes perseguições contra filósofos, teólogos e cientistas que professavam ideias parecidas às de Willis. Descartes, por exemplo, teve problemas com a Igreja, e Thomas Hobbes foi perseguido pelos bispos de Inglaterra quando declarou que a mente não era mais que matéria em movimento. O caso de Thomas Willis é diferente, porque ele teve a precaução de deixar espaço para a noção cristã de alma. Segundo Zimmer, o próprio Willis era um cristão tremendamente devoto e não questionava os conceitos básicos do cristianismo. «Queria simplesmente analisar o corpo humano e aprender coisas sobre ele e, pelo caminho, aprender coisas sobre a alma.» De modo que a ele não lhe parecia que pudesse ocorrer qualquer conflito entre anatomia e teologia, e tão-pouco os líderes religiosos de Inglaterra consideraram que as suas ideias e opiniões fossem passíveis de gerar um conflito de interesses. Além disso, Willis era um cientista com muito bons contactos. Um dos seus amigos era o arcebispo de Cantuária, o principal mandatário religioso da Igreja em Inglaterra, de modo que goza¬va de uma certa protecção.
Thomas Willis foi também um pioneiro noutros aspectos. Por exemplo, suspeitou que nós, os seres humanos, temos um cérebro «integrado», ou seja, que herdámos o cérebro dos répteis e que, ao evoluirmos como mamíferos, não nos desfizemos do cérebro dos répteis, antes o mantivemos perfeitamente integrado num cérebro maior. Willis observava o cérebro dos peixes, dos macacos ou das vacas; analisava esses cérebros e estabelecia semelhanças e diferenças. O cérebro humano parecia-se muito com o cérebro de outros animais, e Thomas Willis pensava que, se o cérebro de um animal possuía as mesmas partes que um cérebro humano, então podia ser estabelecida uma correlação entre ambos. Por exemplo, estava convencido de que um cavalo se lembrava de onde é que havia boa comida no prado utilizando para tal as mesmas zonas do cérebro que nós utilizamos para recordar onde está a despensa. A diferença residia basicamente no facto de os seres humanos terem um cérebro maior, capaz de «mais pensamentos». Estas ideias prefiguram na realidade um tipo de pensamento evolucionista, embora Thomas Willis jamais o tivesse expressado desta forma. Para ele era mais uma prova do engenho de Deus como criador, como desenhador do mundo. Carl Zimmer não duvida em afirmar que Willis foi evolucionista duzentos anos antes de Darwin: «Efectivamente, ele proporcionou as provas que Darwin utilizaria, com tanta elegância, para forjar a teoria da evolução duzentos anos depois.»
Há outra peculiaridade fascinante em Thomas Willis... Dizia ele que havia algum tipo especial de espírito que ia do cérebro aos testículos. Como chegou ele a estabelecer uma tal relação? Desde logo, Willis não podia falar de genética, mas sugeriu que havia uma espécie de informação que se transmitia de uma geração para a outra. Zimmer considera que o fascinante de Thomas Willis e da sua época é que simplesmente desconheciam concei¬tos que agora damos por assentes. «Por exemplo, não sabiam nada do ADN. De novo, ele fazia apenas observações e procurava explicações para as observações. Via que as crianças nascem e se parecem com os seus pais, e crescem para se converterem em adultos que se parecem a outros humanos adultos. Pelo que teria de haver algo aí... tinha de existir o que chamaríamos "informação", algo que se transmite para criar outra pessoa. E ocorreu-lhe que o único lugar onde havia ideias era no cérebro.»
Desde logo, se a informação só existe no cérebro e há uma parte dessa informação que passa de pais para filhos sem um motivo aparente, deveria existir uma ligação entre o cérebro e os testículos. «Era evidente: tinha de haver uma ligação.» Willis procurava algo físico, algum tipo de vaso condutor ou algo que fosse directamente do cérebro até aos testículos. Nunca o encontrou. De maneira que esse fracasso deveria ter-lhe dado uma pista de que talvez se tratasse de outro tipo de informação... li o que actualmente chamamos informação genética. Porém, foram necessários séculos de investigação até que se chegasse a esboçar essa noção.
Outra ideia pioneira e fantástica de Willis refere-se à possibilidade de curar mediante processos químicos. Willis estava plenamente convencido de que os fármacos e as manipulações físicas podiam curar todas as doenças. Não tinha nenhuma dúvida a esse respeito. Pelo que, de certo modo, estava a antecipar aquilo que seria a futura neurofarmacologia. «Sim. Creio que, nesse sentido, Thomas Willis desempenhou um papel realmente decisivo», afirma Zimmer. «É algo que costuma passar despercebido: a sua ideia era que se podiam curar todas as doenças mentais através da alteração química da actividade cerebral. Por exemplo, explicava ele que um ataque epiléptico podia ser causado por um descontrolo químico, como a pólvora que acaba por explodir caso não se mantenham certas condições no ambiente envolvente. Tratava-se de uma maneira de raciocinar muito diferente daquela que então imperava, uma época em que as pessoas diziam que os epilépticos estavam possuídos pelo demónio.» E no caso da melancolia, Thomas Willis receitava uma espécie de xarope confeccionado a partir de uma fórmula secreta. E enriqueceu graças às suas tisanas. Administrava-as às pessoas e dizia: «Isto vai curar-te porque modificará a química do teu cérebro.» Na realidade, este é o paradigma com que actualmente trabalhamos: quando alguém toma Prozac ou outro medicamento qualquer, fá-lo com a convicção de que poderá alterar os aspectos fisiológicos nocivos que o estão a afectar e fá-lo também com a convicção de que essa substância química modificará os elementos negativos. «Não é tão difícil transformar as acções do cérebro», explica Zimmer. Na realidade, se bebermos vinho - uma substância química, o nosso cérebro vai modificar notavelmente a sua capacidade de atenção, de percepção e, portanto, acaba por alterar também o nosso carácter. A pergunta é: se actuarmos com substâncias químicas no nosso cérebro, será que o mudaremos do modo que realmente queremos? Serão essas substâncias químicas a melhor maneira de o mudar?
Thomas Willis foi um dos primeiros a abordar as doenças mentais a partir de uma perspectiva farmacológica. Para ele, as perturbações do cérebro podiam ser corrigidas manipulando os «átomos» que o compõem. Até 1630, a melancolia - a que actualmente chamaríamos depressão - era tratada com recurso à astrologia, actuando sobre os quatro humores de Galeno e rezando a Deus.
Willis revolucionou o tratamento desta doença e começou a recomendar, como terapia, um xarope e conversa agradável. E embora os fundamentos fossem os correctos, a eficácia do seu xarope de aço e centopeias trituradas era mais que duvidosa. Segundo ele, este tratamento eliminava os elementos responsáveis pela melancolia: os corpúsculos de sal e sulfureto do sangue.
Durante trezentos anos, a psicofarmácia foi mais um sonho do que uma realidade. Com Sigmund Freud impôs-se a psicanálise e abandonou-se o uso de fármacos para tratar as doenças mentais. O ressurgimento das drogas só se produziu depois da Segunda Guerra Mundial, quando se começou a utilizar a torazina e outros componentes químicos para melhorar determinados achaques. Os neurocientistas descobriram que estas drogas podiam modificar a concentração de dopamina e de outros neurotransmissores. De repente, parecia que era apenas uma questão de ajustar os níveis químicos, exactamente como Willis havia vaticinado.
A fluoxetina, mais conhecida pelo seu nome comercial, Prozac, utiliza-se actualmente para tratar a depressão e a perturbação obsessivo-compulsiva. Quando foi lançado no mercado, em 1990, operou uma revolução na psicofarmácia devido aos seus reduzidos efeitos secundários. Não criava habituação e os efeitos de uma sobredosagem não eram muito graves. A fluoxetina actua sobre o sistema nervoso central; mais concretamente, sobre os níveis de serotonina. Pensa-se que a depressão está relacionada com um desequilíbrio nos níveis desse neurotransmissor, de modo que um nível baixo de serotonina entre os neurónios provoca a depressão. Uma vez que a fluoxetina evita que as células captem serotonina, a quantidade do neurotransmissor entre os neurónios será maior. Como sucede com a maioria dos psicofármacos, desconhece-se o mecanismo de acção preciso desta molécula: a única coisa que podemos observar são os seus efeitos.
Willis ficou rico com os seus tratamentos, mas provavelmente não daria crédito aos valores que estas moléculas mobilizam hoje em dia. Os antidepressivos, por si só, movimentam mais de doze milhões de dólares nos Estados Unidos.
Actualmente existem drogas para uma grande quantidade de perturbações mentais. O modafinil melhora a memória e levanta o ânimo; a ritalina costuma ser utilizada em crianças com défice de atenção e hiperactividade. Há drogas para dormir e drogas para manter-se desperto. 

terça-feira, 17 de março de 2009

Presos ao Passado?



Com mais ligações de neurónios possíveis do que átomos há no universo, o cérebro tem um grande problema: como encontrar memória. É aí que entram as emoções, que são, em parte, uma rede de neurónios, e que estão ligadas a todas as outras redes. Estas ligações permitem ao cérebro encontrar as memórias mais importantes em primeiro lugar. As emoções avaliam a situação rapidamente, de facto, sem sequer pensar nisso, e enviam mensageiros químicos para fugir ou lutar, sorrir ou franzir o sobrolho. O lado negativo da memória associativa é que, como percepcionamos a realidade, e tratamos as novas experiências baseados nos dados mentais/neurais armazenados do passado, é difícil ver o que realmente está lá fora nesse momento. A tendência, pelo contrário, é fazer referência a experiências passadas.
Tal como todas as células do corpo se unem e inter-relacionam umas com as outras para originarem um organismo que funciona, também as redes de neurónios se inter-relacionam, ou associam, de forma a produzir essa entidade que consideramos a nossa personalidade. Todas as nossas emoções, memórias, conceitos e atitudes estão codificados neurologicamente e se interligam, resultando na personalidade. No caso de personalidades múltiplas, há conjuntos múltiplos integrados que não estão ligados uns aos outros. É por isso que quando a personalidade muda não há nenhuma memória da “outra pessoa”. O conjunto de redes a partir da qual a pessoa opera não está ligado a essas memórias.
Neuroplasticidade é o termo usado para definir a capacidade que o cérebro tem de formar novas ligações – por outras palavras, neurónios ligarem-se a outros neurónios. Embora em tempos se acreditasse que por altura da adolescência o cérebro já estivesse ligado para o resto da vida, as investigações mais recentes confirmaram que o cérebro não só é muito plástico e maleável, mesmo em idades avançadas, como também cria novas células. Tal como explica o Dr. Daniel Monti:
“A boa notícia é que há um enorme potencial para mudar os tipos de comportamento e padrões característicos em que caímos. E o potencial para a mudança do nosso sistema nervoso, de toda a nossa psicologia, é tremendo.
De facto, se tiver ouvido e se lembrar de tudo o que eu disse, a sua fisiologia é diferente do que era antes! Essa memória foi codificada e a sua estrutura genética mudou. E enquanto antes falaríamos do sistema nervoso como uma coisa rígida com pouca capacidade de mudança, sabemos agora que, a muitos níveis, isso não é verdade. Há uma capacidade tremenda de plasticidade, que basicamente significa capacidade de mudança, no sistema nervoso.”
A investigação citada pelo Dr. Monti encaixa perfeitamente no Human Potencial Movement, que sempre disse que somos muito mais ilimitados do que achamos.
O factor principal que distingue os seres humanos de todas as outras espécies é o nosso lóbulo frontal e o rácio desse lóbulo frontal em relação ao resto do cérebro. O lóbulo frontal é a área do cérebro que nos permite concentrar a atenção e concentrarmo-nos. É fulcral para tomar decisões e para manter uma intenção firme. Permite-nos tirar informações do nosso meio ambiente e do nosso armazém de memórias, processá-las e tomar decisões ou escolhas diferentes das decisões e escolhas que já fizemos.

Se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado.
— Mateus 6, 22

A segunda das quatro Nobres Verdades de Buda é:
“A origem do sofrimento é a ligação às coisas passageiras e a ignorância daí proveniente. As coisas passageiras não incluem apenas os objectos físicos que nos rodeiam, mas também ideias, num sentido mais lato, tudo objectos da percepção. A ignorância é a falta de compreensão de como a nossa mente está ligada a coisas impermanentes. As razões para o sofrimento são desejo, paixão, ardor, procura de riqueza e prestígio, busca por fama e popularidade, ou resumindo: anseio e dependência.”

Parece lógico que o dispositivo físico mais maleável, complexo e sofisticado seja a interface entre o mundo espiritual “intangível” e o mundo material “tangível”. E que isso reflicta processos em ambos os mundos.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Medindo a Inteligência


Há algumas pessoas que vêem as coisas de maneira diferente. Quando a maioria decide seguir um caminho, elas decidem escolher outro. Porquê? Talvez porque elas sejam inteligentes e criativas e nós sejamos desajeitados. Mas... quem é inteligente? E porque é que está tão na moda medir a inteligência? E porque é que a estamos a medir com métodos totalmente distintos dos que eram utilizados há apenas alguns anos?
A criatividade, segundo os especialistas, parece estar relacionada com uma atitude que se tem perante a vida: é o impulso de criar e de gerar ideias. E uma pessoa criativa é um indivíduo que consciente ou inconscientemente escolhe o caminho de criar.

Temos investido muito tempo e dinheiro para medir a inteligência das pessoas. Os famosos testes de Q.I., com os quais se avaliavam os quocientes intelectuais, foram utilizados e inclusivamente manipulados de mil maneiras. Robert Sternberg realizou experiências de medição intelectual em crianças cujas idades estavam compreendidas entre os 8 e os 9 anos e entre a 14 e os 18 anos. Segundo revelaram esses estudos, os resultados são muito melhores quando se usa a inteligência criativa do que quando se aplica o conceito básico que passa pelo estudo do pensamento lógico. “Quando medimos a inteligência, pensamos que é muito importante não medir apenas a inteligência tradicional, a inteligência académica. O quociente intelectual tem alguma importância na escola, mas é menos importante na vida e no trabalho. Portanto, nós medimos a inteligência analítica ou académica, mas também a inteligência criativa e a inteligência prática: o senso comum.” As suas investigações demonstraram que basicamente não há relação entre a inteligência académica e a inteligência prática. Pode-se ter muitíssimo senso comum, mas índices muito baixos nos testes convencionais da inteligência. Inclusive, pode-se ter um quociente intelectual extremamente alto, mas uma ausência assombrosa de senso comum.
Robert Sternberg fala também de “inteligência tácita”: é a capacidade para se adaptar a um meio sobre o qual não se sabe nada e do qual nem sequer se tinha ouvido falar. E acontece que pessoas com um quociente intelectual muito elevado - um quociente académico muito elevado - não têm esta “inteligência tácita” para se adaptar a um meio desconhecido. “O mais importante na vida, creio eu, não é ter experiências, mas sim aprender com as experiências”, dizia-nos o professor Sternberg. Toda gente tem experiências, mas as investigações demonstram que as pessoas que adquirem o conhecimento tácito, o conhecimen¬to de como lidar com as suas vidas, como ganhar mais dinheiro, como ser mais apreciado, como fazer o trabalho melhor, são pessoas que aproveitam as suas experiências. De novo: não se trata de ter a experiência, mas sim de aprender com ela. “Aquilo que digo aos meus estudantes é que não me incomoda que cometam um erro ou um equívoco: toda a gente se equivoca, e isso é bom, porque se aprende com os erros. O que me incomoda é que se repita o mesmo erro muitas vezes.”
O professor Sternberg considera que a criatividade pode ser ensinada. Na sua opinião, a criatividade é uma atitude perante a vida: é a atitude de criar, de gerar ideias, e a pessoa criativa é uma pessoa que assume riscos... O indivíduo criativo não pensa que precisa de ter a certeza em todos os momentos. Reconhece a necessidade de enfrentar os obstáculos. Em conclusão: “Se uma pessoa é criativa, a pergunta não é se vai haver obstáculos, porque de certeza os haverá. A pergunta que uma pessoa criativa precisa de fazer a si mesmo é: "Tenho a coragem para enfrentar e superar os obstáculos?"“
A mentalidade tradicional não apresenta o indivíduo criativo como um ser que “controla” a sua criatividade. Não raro, é apresentado como uma caricatura, um indivíduo a quem se acende uma lâmpada... sem nenhum controlo aparente! E, curiosamente, falamos também de “iluminação”, de “ver a luz”... E o século XVIII, o século da razão e do Iluminismo, é também o Século das Luzes. Será que existe uma base fisiológica na criatividade? Haverá uma parte do cérebro que se “ilumina” ou que se activa quando uma pessoa tem uma ideia criativa?
As investigações mostram que há muitas partes do cérebro envolvidas no processo criativo e que a acção está distribuída por diferentes áreas. “Mas o importante é perceber que a biologia não afecta apenas o comportamento e a aprendizagem, afecta o cérebro, afecta a biologia: vai em ambas as direcções.” Ou seja, quando se aprende algo, quando um indivíduo se desenvolve cognitivamente, o seu cérebro também muda. Em suma, a biologia não significa predestinação: pode-se mudar a vida e o cérebro através da aprendizagem e das atitudes perante a vida.
A criatividade é entendida como operações fisiológicas. Descansando debaixo de uma árvore, Newton deu com a explicação para a força da gravidade quando viu cair uma maçã à sua frente. Uma bela poesia, uma frase gloriosa ou uma magnífica melodia surgem frequentemente em momentos de descontracção, depois de sestas ou de estados de sonolência. Porquê? O nosso cérebro está povoado de células nervosas ou neurónios, unidades básicas da estrutura cerebral. Estas células têm uma configuração muito particular que permite a transmissão dos impulsos nervosos; os neurónios agrupam-se nos chamados “nodos” e desenvolvem uma actividade específica; assim se estabelece uma imensa rede de circuitos eléctricos. No cérebro existem sistemas de activação geral que regulam o grau de activação eléctrica dos neurónios e nodos; assim, por exemplo, uns quantos nodos, activados intensamente, caracterizam o estado de concentração, ao passo que uma grande quantidade de nodos activados mas com uma baixa intensidade descreveriam os momentos de atenção difusa. Estas operações facilitam e amplificam a capacidade de associação e dão origem à inspiração.
Sem dúvida, nas pessoas consideradas criativas existem aptidões mais desenvolvidas, mas a concepção da ideia criativa nasce normalmente de uma ampla base de conhecimentos que “empapa” os nodos e os circuitos cerebrais.
Embora as capacidades relacionadas com a intuição, a imaginação e a flexibilidade se atribuam ao hemisfério direito do cérebro, pensa-se que ambos os hemisférios estão constantemente a interagir e que não há zonas específicas onde a criatividade possa ser situada. No entanto, alguns estudos realizados com pessoas ligadas a actividades musicais sugeriram que as aptidões musicais, tais como o ouvido absoluto ou a capacidade para reconhecer diferentes notas musicais, implicam uma zona do córtex na área de Wernicke, que parece ser mais ampla no hemisfério esquerdo, sobretudo no caso dos músicos profissionais. Esta área de Wernicke está relacionada com a compreensão da linguagem, o que sugere que a percepção da linguagem e a percepção dos tons musicais são actividades muito próximas.
Alguns casos concretos tornam mais confusa a nossa análise do cérebro criativo. Por exemplo, o compositor Maurice Ravel sofreu uma lesão irreversível no hemisfério esquerdo, provavelmente na área de Wernicke, que o incapacitava quando tinha de compor e de ler música, mas conseguia compreender e criticar perfeitamente as peças que escutava. Viveu quatro longos anos com o tormento de desfrutar da música sem a poder expressar.