Tema

Se analisarmos o mundo armados de mente aberta e olhar crítico e se fizermos algumas pesquisas é fácil apercebermo-nos que há muita "coisa" curiosa, difícil de explicar no actual paradigma da ciência.
Investigamos áreas díspares, desde a história antiga à física moderna, passando pela psiquiatria e filosofia.
Comecemos pela percepção. Será que vemos aquilo que esperamos ver? Como fazem os animais para prever catástrofes de modo a protegerem-se? Será que percepcionam algo para além dos nossos sentidos? Ou será que os nossos sentidos também o percepcionam mas nós não tomamos consciência por não estarmos preparados para tal? Os nossos sentidos fazem chegar ao cérebro o estrondoso número de 400 mil milhões de bits por segundo, mas apenas 2 mil chegam ao nosso consciente. O que acontece a tudo o resto? O nosso cérebro trabalha continuamente a tentar criar uma história do mundo para nós, livrando-se de imensa informação "supérflua". Esta selecção baseia-se nas nossas vivências, memórias e emoções. Sim, no fundo vemos aquilo que esperamos ver.
Religião. Fenómeno profundamente controverso. Estará a ciência em conflito com a religião? Ambas são duas abordagens à verdade, são as duas faces da mesma moeda. Se a ciência e o espírito investigam a natureza da realidade ilimitada – e obviamente quanto mais ilimitada é, mais perto da realidade – irão certamente cruzar os seus caminhos. Terá a religião de reformular todos os seus princípios de modo a acompanhar o estrondoso avanço da ciência? Sobreviverá a religião a esta reforma?
Cérebro. Pura biologia e química? É engraçado pensar o quanto o Homem investe na ciência, na tecnologia e o pouco que investe no seu próprio estudo, no estudo da mente humana. O estudo do cérebro é uma área enormemente fascinante, muito divertida de explorar. Se calhar quando compreendermos quase na plenitude o funcionamento do nosso cérebro talvez possamos aplicar esse conhecimento à construção de computadores capazes de fazerem escolhas autonomamente, dotados de sentimentos e emoções, capazes de sonhar e ter uma conversa normal, talvez um dia.
E até onde vai a Teoria Quântica? O que a teoria quântica revelou é tão intrigante que soa mais a ficção científica: as partículas podem estar em dois ou mais sítios ao mesmo tempo. O mesmo “objecto” pode ser uma partícula, localizável num local, ou uma onda, distribuída pelo espaço e pelo tempo.
Einstein disse que nada pode viajar mais depressa do que a velocidade da luz, mas a física quântica demonstrou que partículas subatómicas parecem comunicar instantaneamente sobre qualquer extensão de espaço.
Medicinas alternativas estão "na moda" e algumas já deram provas por milénios, falam-nos em "energias". Surgem histórias de paranormal mesmo vindas da comunidade científica, e muitas delas referem-se também a "energias". Pela teoria quântica apercebemo-nos que quanto mais de perto analisamos a matéria menos material se torna o mundo, no fundo passa a ser constituído por pacotes de energia e informação.
Há metafísica bastante em não pensar em nada, escreveu Caeiro. Nós estamos dispostos a pensar. Estes temas sempre nos despertaram a atenção porém nunca foram explorados no nosso percurso escolar, ou se o foram, não ficámos satisfeitos. Achamos que são importantes na nossa formação pessoal e cívica bem como da população em geral.
Não é difícil fazer grandes questões, mas quando tentamos responder a alguma surgem-nos muitas mais. Talvez encontremos um fio condutor que nos ilumine.
Temos aprendido a não confiar muito no que nos dizem, afinal aquilo que é tomado como verdadeiro muda drasticamente em questão de décadas. Também não descuro nenhuma peça do puzzle pelo simples facto de não encaixar nas que já estão montadas. Gostamos de consultar o nosso eu elevado quanto à validade das observações.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

As dimensões pessoal e social da religião


1) Dimensão pessoal:
Dado que a religião é, efectivamente, um fenómeno universal e intemporal, torna-se indispensável tentarmos descrever o fenómeno religioso.
A experiência religiosa consiste na relação do homem com o absolutamente divino. Esta dimensão consiste em o homem se sentir na presença de um Além, uma realidade essencialmente diferente de todas aquelas que nos cercam. Esta realidade é frequentemente designada como a divindade, o divino. Acerca do divino podemos sugerir as seguintes características:
É mistério, escondido e inatingível; e como tal, é indefinível;
O seu poder é tanto que provoca em nós sentimentos diversos e até contraditórios: atrai e repele, suscita amor e também temor;
Provoca em nós atitudes de dependência e de veneração
Pode revelar-se ao homem de modos extremamente diversificados (através de coisas ou pessoas). A estas manifestações chama-se hierofanias.

2) Dimensão social:
A religião manifesta-se exteriormente nas condutas individuais e colectivas das comunidades humanas. A religião tem, portanto, um carácter social e histórico. Daí a diversidade das religiões que, ao longo do tempo e do espaço, se têm manifestado e sucedido: desde aquelas mais primitivas até às religiões vigentes nas nossas sociedades actuais, profundamente dominadas pela ciência.
Convém, sublinhar que, ao longo do tempo, sempre existiu um certo sincretismo religioso, isto é, não apenas as diversas modalidades religiosas coexistem, mas interpenetram-se, influenciam-se mutuamente: em cada uma é possível encontrar elementos de outra.


2 a) Elementos comuns às diversas religiões:
A diversidade religiosa é um facto, no entanto podemos verificar a existência de elementos comuns a todas elas. Destaquemos alguns:
Toda a religião supõe a relação do homem com uma realidade transcendente, perante a qual se sente e reconhece dependente e submisso, fascinado e temeroso. Essa realidade tem sido apreendida sob as mais diversas formas e invocada sob os mais diversos nomes.
A religião implica a existência de uma doutrina ou conjunto de dogmas.
Este conjunto de dogmas ou doutrina deve ser livremente aceite pelo crente, e a isso chama-se crença religiosa ou fé.
As relações do homem com Deus traduzem-se naturalmente no comportamento dos crentes, e a elas chamamos o culto.
Os fieis que professam a mesma religião constituem comunidades mais ou menos estruturadas que designamos como Igreja.

2 b) Objectivos comuns às diversas religiões:
Além de revelarem elementos comuns, as diversas religiões convergem ainda no mesmo objectivo – todas elas permitem ao homem encontrar uma explicação para o mundo e um sentido para a sua própria existência.
Todas as religiões procuram ultrapassar o sofrimento e a morte, e oferecem ao homem a salvação, isto é, uma vida futura, eterna e feliz, o que implica, necessariamente, uma certa conduta, uma conduta que obedeça a uma determinada ética.
Mas é extremamente significativo verificarmos que crentes e não crentes concordam na aceitação de uma regra de ouro que, para todos, representa o fundamento último e único da moral.
O respeito pelo homem é o único principio ético absoluto, porque a dignidade humana é único valor absoluto e, como tal, universalizável.

“A verdadeira essência da religião é o próprio ser do homem enquanto se interroga, enquanto põe em jogo o sentido da sua vida e da existência em geral”
P. Tillich

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A dimensão religiosa


O fenómeno religioso é, sem dúvida, profundamente controverso.
É, por um lado, universal e premente, isto é não se conhecem sociedades humanas, em qualquer momento histórico ou lugar, destituídas de religião.
É, por outro lado, profundamente evolutivo e pluriforme: as diversas religiões variam quanto aos seus dogmas, à sua moral, ao seu culto, e até aos objectivos que propõem…
Anunciada a sua morte por uns, a religião continua a ser, para outros, o caminho indispensável e insubstituível que os orienta na vida. No entanto, não faltam aqueles que usam a violência para impô-la dum modo arbitrário.

Visto isto, é indispensável questionarmos esta realidade para tentarmos compreendê-la melhor:

Porquê e para quê a religião?
Em que consiste a religião?
É legítima a diversidade religiosa?
Qual é o valor da religião?

A existência das religiões, a sua universalidade e sobrevivência são um dos fenómenos humanos mais surpreendentes.
A religião tem uma importância relevante nas nossas sociedades. As suas implicações alcançam todos os domínios: a ética, o ensino, a política, a economia, ordem internacional, etc.
Creia-se ou não em Deus, as religiões existem, e a sua universalidade e persistência têm de ser explicadas e avaliadas.
Etimologicamente, a palavra "religião" deriva do latim religare, ligar, unir, que num sentido mais amplo significa relação, união com, união a; o que nos obriga a recordar aquilo que estudámos acerca do Homem como um ser em aberto, um ser bio–sócio–cultural, mantendo diálogo constante com os outros e com o mundo.
Acontece que no seu sentido habitual, o termo religião significa não a relação com os outros, mas a relação com um Outro, isto é, com uma realidade sobre-humana, misteriosa e omnipotente, que o homem tem designado sob múltiplos nomes e cuja presença é susceptível de provocar atitudes e sentimentos desencontrados.
É esta realidade que, a partir de um certo momento, passou a ser invocada sob o nome de Deus.
A religião será portanto, todo o conjunto de relações que unem o homem a Deus, seja qual for o modo como possamos concebê-Lo.
Visto isto, o homem é um ser necessariamente religioso e a religião é para ele um privilégio e direito exclusivo.

“Uma sociedade sem religião é como um navio sem bússola.”
Napoleão Bonaparte

“Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia.”
Albert Camus

O homem constantemente interroga-se acerca da sua vida, qual o seu significado e o seu objectivo final, ou seja quer saber quem é, de onde veio e para onde vai.
Por isso, compete á filosofia questionar e esclarecer esta realidade socialmente comprovada e individualmente vivida por tantos de nós.
Sendo o homem um ser de projecto e futuro ao contrário do animal, o homem cria e é modelado pela cultura, por isso tais perguntas são inevitáveis, e elas manifestam-se essencialmente naquelas situações que não podemos evitar ou até alterar – situações que, ao longo da vida, nos proporcionam a experiência terrível dos nossos limites, da nossa finitude. Reduziremos essas situações ao sofrimento, de que todos padecemos em qualquer uma das suas múltiplas manifestações: a doença, a miséria, o fracasso, a solidão, o abandono, a traição, a culpa, o desespero e, finalmente, a morte…
Os poderosos e os humildes, os sábios e os ignorantes, os velhos e os jovens estão sujeitos á mesma condição: o sofrimento não poupa ninguém.
Por outras palavras, o homem não é um ser auto-suficiente, fechado sobre si próprio, encerrado dentro de limites (imanência); ao contrário, ele é um ser permanentemente insatisfeito, que não se basta a si próprio, e como tal, projecta-se para fora de si e procura os outros (transcendência), isto é:

“O homem ultrapassa infinitamente o homem.”
Pascal

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Há metafísica bastante em não pensar em nada.


Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos!
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é o mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem .
Nem saber que o não sabem?

«Constituição íntima das cousas»...
«Sentido íntimo do universo»...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
E como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores;

Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, é como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
E elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Alberto Caeiro, pp. cif., pp. 29-32

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Definam Deus


Baseado no romance “A Fórmula de Deus” de José Rodrigues dos Santos (abreviado):



"Foi no Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura que Kant estabeleceu os limites da ciência", disse Rocha, mastigando esta nova fatia. "Ele concluiu que há três problemas fundamentais da metafísica que a ciência jamais será capaz de resolver." Exibiu três dedos. "Deus, a liberdade e a imortalidade. Kant era da opinião de que os cientistas nunca serão capazes de provar a existência de Deus, de determinar se temos ou não livre vontade e de perceber com toda a certeza o que se passa depois da morte. Essas questões, na sua opinião, já não pertencem ao domínio da física, mas da metafísica. Estão para além da prova."


Tomás balançou a cabeça, pensativo. "Parece sensato."

"Parece sensato ao comum dos mortais", atalhou Luís Rocha. "Mas não ao professor Siza."

O historiador fez uma expressão intrigada. "Ah, não? Porquê?"

"O professor Siza acreditava que era possível demonstrar cientificamente a existência de Deus e resolver os problemas da livre vontade e da imortalidade. Aliás, ele achava que estas questões estavam todas relacionadas."

"Desculpe a minha ignorância", disse o historiador. "Mas é possível provar a existência de Deus?"

"Tudo depende do que se define por Deus."

"O que quer você dizer com isso?"

Luís Rocha suspirou.

"Oiça, o que é Deus para si?"

"Uh... não sei, é... é um ser superior, é o Criador."

"Essa não parece lá uma grande definição, pois não?"

"Não", concordou Tomás com uma gargalhada. "Mas, então, diga-me você. O que é Deus?"

"Bom, essa é a primeira pergunta a fazer, não é? O que é Deus?" Luís Rocha abriu as mãos. "Se estamos à espera de ver um patriarca velho e barbudo, a mirar a Terra com ar preocupado, vigiando o que cada um de nós faz e pensa e pede e que fala com uma voz grossa... bem, acho que iremos esperar até à eternidade para provar a existência de tal personalidade. Esse Deus pura e simplesmente não existe, é apenas uma construção antropomórfica que nos permite visualizar algo que está acima de nós. Nesse sentido, construímos Deus como uma figura paternal. Precisamos de alguém que nos proteja, que nos defenda do mal, que nos abrigue na sua concha protectora, que nos dê consolo nas horas difíceis, que nos ajude a aceitar o inaceitável, a compreender o incompreensível, a enfrentar o que é terrível. Esse alguém é Deus." Apontou para o tecto. "Imaginamos que existe Alguém lá em cima que se preocupa imensamente connosco, Alguém a quem recorremos na hora da aflição em busca de reconforto, Alguém que nos observa e ampara, e... pumba! Ei-Lo! Aí está Deus!"

"Mas, então, se Deus não existe, do que estamos para aqui a falar?"

"Eu não disse que Deus não existe", corrigiu o físico.

"Ah, não?"

"O que eu disse é que não existe o Deus antropomórfico que nós habitualmente imaginamos e que herdámos da tradição judaico-cristã."

"Hmm", murmurou Tomás. "Está-me a dizer que o Deus da Bíblia não existe?"

"Mas quem é o Deus da Bíblia? Aquela personagem que manda Abraão matar o filho só para ver se o patriarca Lhe era fiel? Aquela personagem que lança a humanidade na desgraça só porque Adão comeu uma maçã? Mas alguém de bom senso acredita num Deus tão mesquinho e caprichoso? Claro que esse Deus não existe!"

"Mas, então, que Deus existe?"

"O professor Siza acreditava que Deus está em tudo o que nos rodeia. Não como uma entidade acima de nós, que nos vigia e protege, conforme preconizado pela tradição judaico-cristã, mas como uma inteligência criadora, subtil e omnipresente, talvez amoral, que se encontra a cada passo, a cada olhar, a cada respiração, presente no cosmos e nos átomos, que tudo integra e a tudo dá sentido."

"Estou a ver", assentiu Tomás. "E ele acreditava ser possível provar a existência desse Deus?"

"Sim. O método científico é um diálogo entre o homem e a natureza. Através do método científico, o homem faz perguntas à natureza e obtém respostas. O segredo está na forma como formula as perguntas e entende as respostas. Não é qualquer pessoa que é capaz de interrogar a natureza ou de compreender o que ela lhe diz. E preciso ter treino, é fundamental ser-se sagaz e perspicaz, é imprescindível possuir suficiente inteligência para captar a subtileza de muitas das respostas. Entende isso?"

"Sim."

"O que eu quero dizer é que se pode perceber a existência ou inexistência de Deus em função da forma como se formulam as perguntas e em função da nossa capacidade de compreender as respostas. Por exemplo, a segunda lei da termodinâmica resulta de perguntas que foram feitas à natureza através de experiências sobre o calor. A natureza respondeu, mostrando que a energia passa do quente para o frio e nunca ao contrário, e que a transformação da energia entre corpos resulta sempre em desperdícios." Fez um gesto a abarcar todo o restaurante. "O mesmo se passa com a questão de Deus. Temos de saber quais as perguntas que precisamos de formular e como as vamos formular, e depois temos de ter capacidade para saber interpretar as respostas que vamos obter. É por isso que, quando se fala em fazer a prova da existência de Deus, temos de ser cautelosos. Se alguém está à espera de que arranjemos imagens em DVD de Deus a observar o universo, com as Tábuas da Lei numa mão e a outra a cofiar as suas grandes barbas brancas, desengane-se. Essa imagem jamais será captada porque esse Deus não existe. Mas se estamos a falar em determinadas respostas da natureza a perguntas específicas... bem, aí poderá ser diferente."

"De que perguntas está a falar?"

"Sei lá... perguntas que tenham a ver com o raciocínio lógico, por exemplo."

Tomás abanou a cabeça.

"Não estou a entender."

"Olhe, o problema do Big Bang, de que ainda hoje falei na aula."

"Sim, o que tem isso?"

"O que tem isso? Mas não é óbvio? Então, se houve Big Bang, isso implica que o universo foi criado. Ora, tal conceito tem consequências profundas, não acha?"

"Tais como?"

"A questão da Criação remete para o problema do Criador. Quem criou a Criação?" Piscou um olho. "Hã?"

"Bem... uh... não poderá haver causas naturais?"

"Claro que sim. Nós estamos a falar de um problema natural." Colou o indicador à testa. "Meta isto na cabeça, professor Noronha. Deus é um problema natural. A conversa do sobrenatural, dos milagres, da magia... tudo isso é um disparate. A existir, Deus faz parte do universo. Deus é o universo. Percebe? A criação do universo não foi um acto artificial, foi um acto natural, em obediência a leis específicas e a determinadas constantes universais. Mas a questão volta sempre ao mesmo ponto. Quem foi que concebeu as leis do universo? Quem foi que determinou as constantes universais? Quem foi que deu o sopro de vida ao universo?" Bateu na mesa. "Estas, caro professor Noronha, é que são as questões centrais da lógica. A Criação remete para um criador."

"Você está a dizer-me que, através da lógica, poderemos provar a existência de Deus?"
Luís Rocha fez uma careta.

"Não, de modo nenhum. A lógica não faz prova nenhuma. Mas a lógica dá-nos indícios." Inclinou-se na mesa. "Oiça, você tem de perceber que Deus, a existir, apenas deixa ver uma parcela da Sua existência e esconde a prova final por detrás de um véu de elegantes subtilezas.

A vida descreve-se em dois planos. Um é o plano reducionista, onde se encontram os átomos, as moléculas, as células, toda a mecânica da vida. O outro plano é semântico. A vida é uma estrutura de informação que se movimenta com um propósito, em que o conjunto é mais do que a soma das partes, em que o conjunto nem sequer tem consciência da existência e funcionamento de cada parte que o constitui. Enquanto ser vivo inteligente, eu posso estar num plano semântico a discutir aqui consigo a existência de Deus e uma célula do meu braço estar num plano reducionista a receber oxigénio de uma artéria. O eu semântico nem se apercebe do que o eu reducionista está a fazer, uma vez que se situam ambos em planos diferentes." Fitou Tomás. "Está a seguir o meu raciocínio?"

"Sim."

"Ora bem, o que eu lhe quero dizer é que estes dois planos podem ser encontrados em tudo. Por exemplo, eu posso analisar o livro Guerra e Paz num plano reducionista, não posso? Basta-me estudar a tinta usada num determinado exemplar, o tipo de papel que o constitui, a forma como a tinta e o papel são fabricados, se existem ou não átomos de carbono nesse exemplar... enfim, há uma multiplicidade de aspectos reducionistas que posso analisar. E, no entanto, nenhum desses aspectos me revela verdadeiramente o que é o Guerra e Paz, não é? Para saber isso, a minha análise não pode ser reducionista." Sorriu. "Tem de ser semântica."

"Estou a compreender."

"No fundo, é como um computador. Há um hardware e há um software. O plano reducionista estuda o hardware, enquanto o plano semântico se centra no software."

"Tudo isso parece evidente."

"Então se tudo isto lhe parece evidente, deixe-me colocar-lhe um problema."

"Diga."

"Quando eu estudo o universo de forma a conhecer a sua matéria fundamental, a sua composição, as suas forças, as suas leis, que tipo de análise estou a fazer?"

"Não percebo a pergunta..."

"O que eu quero saber é se é uma análise reducionista ou semântica."

Tomás considerou por instantes a questão.

"Bem... uh... parece-me reducionista."

O sorriso no rosto de Luís Rocha alargou-se mais.

"O que nos leva à pergunta seguinte: será possível fazer uma análise semântica do universo?"

"Uma análise semântica do universo?"

"Então se analisar a tinta e o tipo de folha de um exemplar do Guerra e Paz constitui uma forma muito incompleta e redutora de estudar esse livro, por que diabo analisar os átomos e as forças existentes no cosmos há-de ser uma forma satisfatória de estudar o universo? Não haverá também uma semântica no universo? Não existirá igualmente uma mensagem para além dos átomos? Qual a função do universo? Por que razão ele existe?" Suspirou. "E esse o problema da matemática e da física hoje em dia. Nós, os cientistas, estamos muito concentrados em estudar a tinta e o papel de que é feito o universo. Mas será que esse estudo nos revela verdadeiramente o que é o universo? Não precisaremos nós de o estudar também num plano semântico? Não teremos nós de escutar a sua música e entender a sua poesia? Será que, ao pensar no universo, nós estamos apenas focados no hardware e ignoramos uma dimensão tão importante como a do software?'' Suspirou.